Este trabalho consiste em analisar criticamente um livro didático do ensino fundamental ou médio, de Língua Portuguesa, sob alguns aspectos que julgamos serem relevantes para despertar o interesse do aluno a respeito do conteúdo ali apresentado e assim contribuir para seu crescimento intelectual de forma natural e eficaz.
O obra aqui escolhida é o livro "Português: Literatura, Gramática e Produção textual" da editora Moderna, cujos autores são Leila Lauar Sarmento e Douglas Tufano. A capa da obra traz a foto de um quadro chamado "Banhistas em Asnières" (1884) de Georges Seurat (informação contida no próprio livro). O quadro, como diz sua denominação, nada mais é do que banhistas a beira de um lago em um momento tranquilo, pacífico, aparentemente sem desconforto algum. Desta forma, fica implícito pelo design da capa do livro que tal foto representa um pouco do que esperam que a obra traga ao aluno na hora de usá-lo: um sentimento de prazer que crie um clima confortável de leitura e produção. Sobre a foto mencionada, ainda há o selo da FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) com seu código e o seguinte aviso: "venda proibida". Trata-se de um livro não-consumível - o que vem escrito na capa além do título, suas subdivisões, os nomes dos autores e da editora.
Na folha de rosto temos a mesma foto (em tamanho reduzido), o título, as subdivisões, os nomes dos autores com seus títulos (Leila Lauar Sarmento é licenciada e pós-graduada em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora e coordenadora de Língua Portuguesa em escolas particulares de Belo Horizonte. Douglas Tufano é licenciado em Letras e Pedagogia pela Universidade de São Paulo) assim como o nome dos ilustradores (Rogério Borges, Luiz Fernando Rubino, Ivan Coutinho, Carlos Avalone e Osnei), da editora (Moderna), a edição da obra (primeira), o lugar (São Paulo), o ano (2004) e o carimbo da ABDR (Associação Brasileira de Direitos Reprográficos) alertando sobre o crime que é copiar material não autorizado. Ainda há toda uma parte dirigida ao aluno pedindo para que cuide bem do livro, pois ele será útil para outro aluno no próximo ano letivo. Tanto a capa quanto a folha de rosto focam a necessidade do aluno em conservar o livro didático, de não comercializá-lo nem copiá-lo sem autorização e de devolvê-lo ao final do ano à professora por ser um livro destinado a colégios públicos.
Na apresentação da obra escrita pelos autores, eles afirmam que o intuito do livro é fazer você, aluno (sim, eles utilizam a técnica de se voltar para seu leitor como se aquilo tivesse sido escrito só pra ele, criando uma espécie de aproximação entre ambos), um produtor e leitor de textos críticos, no exercício da cidadania, oferecendo-o um livro instigante, cheio de atividades variadas para que as aulas fiquem mais dinâmicas (assim como a realização de debates sobre temais atuais). No estudo literário, por exemplo, os alunos trabalharão com os movimentos literários dentro dos seus contextos históricos, focando na Literatura Portuguesa como berço da Literatura Brasileira. Já no estudo da Gramática, textos verbais e não verbais os ajudarão na fixação dos conteúdos e na sua adequada aplicação. Por fim, na Produção de Texto, os alunos lidarão com o estudo dos gêneros do cotidiano, com a oralidade, as variantes linguísticas e a interpretação de imagens.
Algumas considerações a respeito da apresentação detalhada no parágrafo acima serão feitos agora. No âmbito literário, é até interessante abordar o contexto histórico dos movimentos literários. Porém, a Literatura aqui deve ser prazerosa, deve despertar o interesse do aluno em ler, e não ser apenas mais uma disciplina para decorar informações. Que os contextos históricos sejam passados brevemente, sem colocar a importância da Literatura em datas, lugares, etc. Em relação ao estudo da Gramática, ela sendo ensinada separadamente do texto - numa linguagem mais informal - diríamos que isto "não cheira bem". A Gramática acontece dentro do texto. Por que separá-los? Na área da Produção Textual, são abordadas as variantes linguísticas (o que seria perfeito para fazer um contraste com a rigidez gramatical , a tal "fixação de conteúdos").
A seguir, temos o sumário. A Literatura, a Gramática e a Produção Textual são divididas em capítulos e, dentro dos capítulos, os conteúdos são apresentados assim como o número da página onde podem ser encontrados.
Neste momento, nossa análise parte para outra fase: eis a hora de verificar se no decorrer do livro didático, o livro apresenta tudo aquilo que foi previamente mencionado pelos autores na apresentação. No campo da Literatura, ilustrações de boa qualidade estão sempre de acordo com o tema relacionado. Há também dicas de filmes e livros sobre os assuntos abordados. Entretanto, alguns textos e/ou poemas não são usados na sua plenitude, ou seja, apenas pedaços são trabalhados. Isso prejudica o aluno na compreensão daquilo que está sendo lido. Além deste fator, os exercícios não trazem reflexão. Não há questões para serem discutidas e sim o famoso questionário sobre o "texto acima". No estudo gramatical, percebe-se que o primeiro item a ser lecionado é a questão das variantes linguísticas (o que, de acordo com a apresentação, deveria vir somente na Produção Textual). Primeiro é contrastada a Gramática e as variantes da língua. Em seguida, tem início a tal "fixação de conteúdos". Tudo começa a ser transmitido como a mais absoluta verdade sem ouvir o que eles têm a dizer sobre o tema e nem deixá-los chegar a conclusão por eles mesmos. Os exercícios gramaticais também trabalham com exemplos já preparados para tal. O aluno não vê a gramática atuando dentro de um texto não preparado para o exercício (em uma conversa na própria sala de aula, por exemplo). Daí nasce a indagação: Por que aprender Gramática? Pra que serve? E se na Literatura alguns textos e/ou poemas já eram trabalhados em partes, esta artimanha é intensificada no ensino da Gramática. Já na Produção de Texto, há a utilização das linguagens verbais e não-vernais. Imagens são trabalhadas como texto, charges e histórias em quadrinhos também são explorados. Um ponto que deve ser ressaltado: há muito mais interpretação de texto do que produção (e na apresentação os autores deixam bem claro que uma das intenções do livro é fazer do aluno um leitor e PRODUTOR de textos críticos). Todavia, notamos a presença de exercícios que pedem troca de idéias, debates, argumentações (situações que os alunos encontrarão no mercado de trabalho futuramente).
Percebemos que no plano pedagógico, o livro muitas vezes deixa a desejar no sentido de não seguir aquilo que está na sua apresentação. É uma obra que se divide entre o tradicional (em sua maioria) e o alternativo (quando os alunos são permitidos a emitir seus pontos de vista - o que acontece mais na Produção de Texto). Seus exercícios são 90% repetição/fixação e abordam os conteúdos como verdades absolutas e a Gramática não é trabalhada com textos e sim exemplos prontos para tal.
A parte final desta análise crítica visa conferir a adequação do livro didático aqui comentado com os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais). Nota-se que os autores da obra oferecem um espaço maior para a opinião do aluno na área de Produção de Texto. A preocupação com os vários tipos de linguagem leva em consideração sua importância dentro do meio social descrita pelo PCN: "A linguagem é considerada aqui como a capacidade humana de articular significados coletivos e compatilhá-los, em sistemas arbitários de representação, que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade" (P.5). A utilização de imagens como textos, o que muitas vezes confunde os alunos, é outro ponto que pode ser facilmente identificado na nossa sociedade (placas e sinais de trânsito, por exemplo) e que é ressaltado pelo PCN: "As condições e formas de comunicação refletem a realização social em símbolos que ultrapassam as particularidades do sujeito, que passa a ser visto em interação com o outro" (P.6). Ainda lembramos as dicas de filmes e livros dentro do ensino literário e voltamos ao PCN e a aplicação das "tecnologias da comunicação e da informação na escola, no trabalho e em outros contextos relevantes para a sua vida" (P.12). Sobre o ensino da Gramática, o PCN tece um comentário que serve como reflexão não somente a respeito da forma como este livro didático trabalha o ensino gramatical, mas como este conteúdo é abordado na escola de uma forma geral: "Será que a Gramática que se ensina faz sentido para aqueles que sabem Gramática porque são falantes nativos? A confusão entre norma e gramaticidade é o grande problema da Gramática ensinada na escola" (P.16). A respeito da Literatura, recordamos que o livro traz exercícios nada reflexivos, sem a participação dos alunos na criação de conceitos e na descoberta da arte como fenômeno transformador. Vamos ver o que está escrito no PCN sobre o ensino da Literatura? "Aula de expressão em que os alunos não podem se expressar [...]. O conceito de literário é discutido" (P.16). Ou seja, quando ao aluno lhe é permitido falar, temos declarações surpreendentes sobre o que é e o que não é literário, sobre o que é considerado literário só porque um grupo de intelectuais decidiu, etc. Assim a aula se torna um grande debate que fará o aluno, ao final, refletir sobre o assunto e procurar seu próprio caminho dentro do mundo da Literatura.
Esta análise chega ao fim percebendo o quanto este livro didático é falho no que diz respeito a sua adequação ao PCN e na falta de reflexão em áreas como as da Literatura e da Gramática.
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