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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Interior

a cidadezinha do interior escreve sua história a lápis
a cidadezinha do interior tem um olho no papel e outro na borracha e outro na porta e outro na janela e outros espalhados
a cidadezinha do interior altera a própria caligrafia no escorregar gélido da mão
a cidadezinha do interior autentica mentiras no cartório viciado onde verdades do passado são retalhadas

a cidadezinha do interior passava a mão nas partes íntimas e cheirava e gostava mesmo com mamãe dizendo que é feio
a cidadezinha do interior se escondia com o primo e um se descobria na novidade do outro
a cidadezinha do interior pegava no piruzinho dos meninos na escola
a cidadezinha do interior jogava o estojo no chão pra ver a calcinha das meninas
a cidadezinha do interior logo aprendeu o porquê de matarmos aula

a cidadezinha do interior cresce sufocada por dentro da calça
a cidadezinha do interior peca no sábado pra ir à igreja no domingo porque vem outro sábado aí
a cidadezinha do interior imagina o que há por baixo da batina do padre e o que acontece na sacristia
a cidadezinha do interior mergulha nua no cálice de vinho das aparências
a cidadezinha do interior quer confessar que não quer confessar

a cidadezinha do interior são os olhares do chefe pra estagiária
a cidadezinha do interior é a ordem da patroa pro adolescente em seu primeiro emprego
a cidadezinha do interior sabe tudo
a cidadezinha do interior não perdoa
a cidadezinha do interior é ou me come ou tá na rua
a cidadezinha do interior é ou dá pra mim ou tá na rua
a cidadezinha do interior trabalha

a cidadezinha do interior forja documentos históricos
a cidadezinha do interior usa peruca e bigode postiço na foto da carteira de identidade
a cidadezinha do interior fala baixinho
a cidadezinha do interior vai pelos cantos
a cidadezinha do interior não faz escândalo
a cidadezinha do interior ganha no sotaque

a cidadezinha do interior é pra quem tem interior
a cidadezinha do interior é grande demais pra tanta pequenez