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quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Vinte e Cinco

achava que não passaria dos vinte e cinco
lagartos de Jim Morrison
rasgos de Janis Joplin
cores de Jimi Hendrix
canivetes de Sid Vicious
injeções de Kurt Cobain
copos de Amy Winehouse

aos vinte e cinco me enterrei na Academia
não teve velório
não teve funeral
não teve ressurreição
apenas caixão deslacrado
tumba violada
mausoléu compartilhado

desde os vinte e cinco assombro excomungado
alma penada
espírito fantasmagórico
sentem a presença
percebem o arrepio
deixam as luzes acessas
pedem por companhia

errei na contagem
nas vontades que sinto
nos atos que agem
passei dos vinte e cinco
passei de passagem

vinte e cinco mortes
vinte e cinco vidas
vinte e cinco temperos
vinte e cinco tentativas

vinte e cinco poetas
vinte e cinco poemas
vinte e cinco diários
vinte e cinco dilemas

com vinte e cinco eu tinha vida de indigente
hoje sou quem sou dos vinte e cinco pra frente


sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Placa

ia eu a duzentos por hora
uma placa disse
reduza a verossimilhança
por mais que fosse absurdo
mantive a velocidade
eu em cima do meu burro

ia eu na rapidez da luz
outra placa repetiu
reduza a verossimilhança
por mais que fosse ruim
mantive a velocidade
eu com meu burro em cima de mim

ia eu
quando olharam
já tinha ido
e a terceira placa insistiu
reduza a verossimilhança
por mais que quisesse voltar
mantive a velocidade
eu não saí do lugar

ia eu
até não haver placa
até não haver verossimilhança
até não haver muito a ver
ia eu até
ia eu
e até

Cruzados

a minha e a sua
cruzaram tantas vezes
deu no que tinha que dar

voltemos a conversar
daqui a nove meses

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

um país minimamente sério

o brasil seria um país minimamente sério
se fosse responsável sem encaretar
se crescesse longe de ficar sisudo
se fincasse raízes e batesse asas

o brasil seria um país minimamente sério
se vivesse fora da bolha
se conversasse de frente com o mundo
se latisse alto 
se mordesse com vontade o próprio complexo de vira-lata
se fizesse uma plástica na cara de bunda

o brasil seria um país minimamente sério
se baixasse a bola
se risse um sorriso historicamente amarelo
se cada desculpa dada apagasse um gol da Alemanha
se por trás da nuvem negra viesse o sol e não outra nuvem negra











sexta-feira, 27 de novembro de 2015

doutor, eu não me engano (é grave, doutor?)

não me aceitaram
sou débito e crédito onde não passa cartão
sou fogo queimando na área dos não-fumantes
sou acelerador perseguido pela sirene
sou eco montanhoso com a porta batida na cara

eu queria ser aceito
ser chegada entrada aula
falar ouvir anotar apresentar
ser pesquisa artigo congresso

não me aceitaram
se a questão não está clara
gema
quem veio primeiro
o meu ou o teu problema?

você sabia, Ginsberg, que ser preso em Nova York enriquece o teu currículo?
você sabia, Chacal, que tua natureza zona sul carioca te faz um radical chique?
você sabia, Piva, que ainda hoje querem foder contigo de um jeito ou de outro?

não me aceitaram
sou a utopia o impossível a desformulação
sou a despolitização politizada
sou o anti-espirros o anti-arrepios o anti-calafrios
sou o vírus que pira nos papiros

não me aceitaram
sou o estado de insalubridade
sou a fraqueza do comandante
sou o grito pelos corredores
sou a queda do elevador

sou morteiro aceso na banca de livros

domingo, 22 de novembro de 2015

Pedras

ela tem seus pecados
quem não?
atira a primeira pedra
quem já tem pedras na mão
pedra cantada
de encantada não tem nada
pedrada!
que atire a primeira pedra
a cabeça mais quadrada
e na última
descanse em paz
pra mais do que nunca
pra nunca mais

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Querem

querem que eu corte o cabelo curtinho
querem que eu tire as costeletas pra ontem
querem que eu faça a barba todo dia

querem que eu vista camisa polo abotoada até o pescoço
querem que eu use calça social
querem que eu não desbote minha calça jeans
querem que eu troque meu tênis por sapato
querem que eu troque meu chinelo por tênis
querem que eu pare de andar de chinelo
querem que eu pare de andar descalço
querem que eu volte a andar de chinelo
querem que eu ande sem arrastar o chinelo no chão

querem que eu tenha emprego
querem que eu tenha chefe
querem que eu tenha salário, décimo terceiro, férias
querem que eu tenha todos os meus direitos adquiridos por lei
querem que eu conheça todos os meus direitos adquiridos por lei
querem que eu concorde com a lei
querem que eu abaixe a cabeça pra lei
querem que eu seja a lei

querem que eu tenha identidade, cpf, título de eleitor
querem que eu tenha certidão de nascimento
querem que eu tenha certidão de casamento
querem que eu tenha certidão de reservista
querem que eu tenha conta no banco
querem que eu saiba de cor o número da conta, a agência, a senha

querem que eu me case
querem que eu tenha esposa
querem que eu tenha filhos
querem que eu tenha família
querem que eu tenha A família
querem que eu tenha amantes
querem que eu tenha amantessss, no plural
querem que eu tenha uma amante
querem que eu tenha duas amantes
querem que eu tenha três amantes
querem que eu tenha quantas amantes eu puder
querem que eu tenha A família

querem que eu seja livre
querem que eu seja hétero
querem que eu seja gay
querem que eu seja direita
querem que eu seja esquerda
querem que eu seja livre
querem que eu não seja artista
querem que eu beba até morrer
querem que eu morra novo
querem que eu vire mártir
querem que eu diga adeus bem velho
querem que eu fique por aí
querem que eu fique na minha
querem que eu fique igual aos outros

querem que eu seja a terceira pessoa do plural do presente do indicativo
querem que eu seja Pessoa
querem que eu seja sempre a primeira pessoa
querem que eu seja muitos
querem que eu seja presente
querem que eu seja O presente
querem que eu sirva o presente
querem que eu sirva de presente
querem que eu seja o indicado
querem que eu dê a dica
querem que eu não seja ativo
querem que eu conjugue outro verbo
querem que eu entenda que querer já é deles
querem que eu entenda o que os queridos querem pra mim








quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Magia

são as últimas horas de um domingo agonizante
vejo putas aglomerando-se numa esquina morta
a clientela agora bate cartão entre as pernas das esposas
as meninas conversam sobre o último filme do Harry Potter
uma diz que chorou
a outra ri daquela que chorou
o resto fala um monte de coisas ao mesmo tempo
passo como se assinasse o atestado de óbito de que me olha
penso na Bárbara que lia Charles Baudelaire
penso na Janaína que discutia Wolfgang Iser
penso na Vanessa que questionava Harold Bloom
penso na Bianca minha Keith Richards de minissaia

são as últimas horas de um domingo agonizante
daqui a pouco o moribundo dará à luz
gravidez indesejada
de risco
parto no asfalto
são gêmeos!
bonequinhos de Voodoo
eles sobem a rua arrepiando a espinha secreta das casas

ERRRRrro

dois erros
não fazem um acerto
quando dois não fazem um
nenhum dos dois tem conserto

quanto mais aperta o peito
mais despeitado é o aperto

domingo, 11 de outubro de 2015

Eu mijarei na Vieira Souto

eu mijarei na Vieira Souto
em frente à cobertura de algum global
meu pau pra fora
chamará mais atenção que a orla
e enquanto ele assiste afoito
ao não-convite do coito anal
pensará que é teste do sofá
ou coisa de gente do Vidigal

eu mijarei na Vieira Souto não porque sou mau
mijarei porque mijar é preciso
a direção, imprecisa
não sabem vocês
sempre reclamam de usar a privada
depois da minha vez
procurei por uma
pra dar aquela aliviada
e em suma
nada

eu mijarei na Vieira Souto
deixarei meu recado
não será pouco
meu recado mijado
no pneu de um Porsche
um aviso no poste
bebam sua água de coco
eu mijarei na Vieira Souto

Solta o preso, delegado!

a roda dos rodados rodava
daqui pra lá, de lá pra cá, do jeito certo e do avesso
não precisava mandar o delegado soltar o preso
o preso já era livre
no calibre daquela noite
daquela hora
entre três fumaças
e uma marola

até que o chapa chapou
chispou chapado
e chamou chateado
e uma voz uníssona falou
solta o preso, delegado!
esquece um pouco do isqueiro
e solta o preso no banheiro!

a coordenação torta
contra o porte da porta
outra tentativa fracassada
outra risada
outra tentativa
outra risada coletiva

renovamos a fé
ao dar uma mão
demos o pé
e cada pesada
foi lembrada na escada
e descendo as escadas
mais risadas
lembranças pra serem lembradas
até quando der 


sábado, 3 de outubro de 2015

Cair pra cima

tanto lugar pra cair
tropecei
e parei aqui

a vida pregando peça
quem diria
até quando o poeta tropeça
é poesia

domingo, 20 de setembro de 2015

Recado

motorista prezado
ainda lhe aponto o dedo
e digo que seta não é cu
dê sem medo
recado
de quem quase foi atropelado
mais cedo

sábado, 19 de setembro de 2015

As Letras do Amor

O amor tem dessas coisas.
Dessas, daquelas e d'outras.
Tem um Q 
de dia D,
de bomba H 
do ponto G.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Caminhos do Méier

eu andava muito pelo Méier
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
um milkshake agitado
ia parar em lugares sem saber como
tenho flashes de apartamentos pequenos
cafofos lotados

eu andava muito pelo Méier
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
um ping pong jogado
saúde era o dinheiro que eu gastava sem economizar
corria de uns porque pulava o muro de outros
a Dias da Cruz era uma pista livre pros arrastões do coração
suas transversais eram paradas obrigatórias
esconderijos secretos pra novos planos
pra qual criança direi desta vez
que o papai noel e o coelhinho da páscoa
trepam meia-noite
roçando o saco de um nos ovos do outro?

eu andava muito pelo Méier
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
um elevador requisitado
lanche no China
Rock 'n' Roll no Berico
e um terraço de frente pra posteridade
camila, amanda, rebeca, nathália
e tantos outros nomes femininos que uma só canção pode incitar

eu andava muito pelo Méier
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
pra cima e pra baixo
pra cima no anonimato da neblina
pra baixo nas profundezas onde me acho

Dai-me

bebi daime
e dai-me outro
bebi daime
tô muito louco
bebi daime
daime do bom
fiquei sem cor
imagem
e som

eu vi um eu de um eu de um outro eu
vi sim três de mim
e gritei Fudeu!
quem sou eu e quem não sou?
coisas do efeito que não passou

Protesto

depois não adianta chorar Sr e Sra Intervenção Militar
depois não adianta chorar o choro que ninguém vai escutar
podem protestar
se o protesto de vocês é pacífico
o nosso é atlântico em alto mar
e alto lá mermão
não nos confunda com o Garotão da Intervenção
e seu abadá da militarização
nem com a Família Rabecão
protestando por mais repressão

podem protestar
protestem antes que todo e qualquer protesto seja trancafiado no porão
onde tortura não é nome de torta
onde pau-de-arara não é nome de passarinho
onde doi-codi é bem mais que a senha do wi-fi do seu vizinho

podem protestar
digam que é intervenção e não implantação
talvez seja loucura minha
mas me lembra muito aquele papo 
de prometer botar só a cabecinha

e uma vez lá dentro 
Fera
já foi 
já era



quinta-feira, 2 de julho de 2015

Partiu Marte?

partiu Marte?
aqui já deu
a Terra gira em torno do próprio arroto
movimento arrotação
do lado de cá nem os transexuais são respeitados
trans

são
e então
partiu Marte?

a coisa tá chata
achatada nos pólos
meio omelete sem ovos
mas ainda não é tarde
partiu Marte?








quarta-feira, 24 de junho de 2015

Longe

fui pra outro lugar
menos Rio
mais Mar