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terça-feira, 29 de novembro de 2011

Inconformado

Não se conforme conforme a forma
tenha fome para além da fôrma
não seja morno diante da norma
e a mordaça, que se morda!

Confirme com firme posição
e a algema, que gema clara ao povo
pré-velada na privada da nação
estafada de tanto estorvo.

Tapar tapas na cara é caro
calar a fala é o calo
que não cala.

Que valha a navalha até o ralo
e só resvale o que vale do faro
vindo da vala.

domingo, 27 de novembro de 2011

Nu
dos outros
é ré
fresco!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Clã-destinos

Claustrofóbica clandestinidade
voluntária ou não
mentiras e verdades dão as mãos
contraponto
contradição
ctrl c
ctrl v
a consolidação do ver pra crer.

Mercadoria e mercado
jogam o jogo jogado
a esperança leva um balde de água fria
na racionalização da utopia.

Se a palavra é yankee
o poeta é talibã
em cada atentado
um afã
um vício
holocausto
genocídio
Mefistófoles, Fausto
Diógenes fictício.

Vendem-se dias de primavera
só há desordem nas letras
a morte na merda
com o nome nas estrelas
os louros da eternidade
não dão conta
não valem um conto
diante da grande bomba.

Restam as ruas nuas
as esquinas assassinas
os encontros
os pontos de companhia
o tráfico
a distribuição
o público ávido do ácido
que brota da escuridão.

domingo, 13 de novembro de 2011

Entrevista

Entrevista cedida a Selmo Vasconcellos no blog http://antologiamomentoliterocultural.blogspot.com/
Carioca, nascido na Tijuca e criado em Quintino, teve pouco contato com livros na infância. Foi na adolescência que as palavras o acordaram para a vida literária pelo acorde do Rock ‘n’ Roll. É poeta (autor da plaquete “Os Sete Espelhos Quebrados” e do projeto “1,99 – Poesia até o último centavo”), colunista da rádio Poesia Mix (www.poesiamix.com.br), cronista, cantor e compositor – tem uma banda chamada Lâmina Blue (www.myspace.com/laminablue). No mais, é professor de Inglês e cursa a pós-graduação em Literatura Brasileira na UERJ. Além das publicações em seu próprio blog (www.diocostapoemas.blogspot.com), teve o poema “Descervejados” publicado no blog do Corujão da Poesia (www.corujaodapoesiaedamusica) e o poema “Cárcere” publicado na segunda edição do Jornal com Letras da Faculdade CCAA – jornal que ainda publicou duas de suas crônicas (“Nem só de Pan vive o homem” e “A gosto”), além de ter um texto seu (que está no seu blog assim como os outros dois citados anteriormente) lido no coquetel de lançamento do próprio jornal. No carnaval de 2011 distribuiu, pelas ruas do Rio, exemplares do poema “Encarna” e atualmente circula pela cena poética carioca.
SELMO VASCONCELLOS - Quais as suas outras atividades, além de escrever? DIO COSTA - Além de escrever, dou aulas de Inglês e canto em uma banda de Rock: a Lâmina Blue. Ah, não posso esquecer de mencionar o curso de pós-graduação em literatura brasileira na UERJ do qual sou aluno. Mas, de certa forma, este curso tem algo a ver com a escrita, não é mesmo? SELMO VASCONCELLOS - Como surgiu seu interesse literário? DIO COSTA - Surgiu na adolescência com o Renato Russo. Muito me intrigava chamarem de “poeta” um cara novo que era vocalista de banda de Rock – a antítese da imagem de poeta construída por influência da escola (aquele sujeito velho ou então já defunto que não tinha a empatia dos meus amigos). O Renato foi a porta para a descoberta de outros nomes do Rock ‘n’ Roll e da MPB (Jim Morrison, Cazuza, Bob Dylan, Chico Buarque e Caetano Veloso, por exemplo) que também flertam ou flertaram com a poesia. A partir de então, comecei a escrever as minhas próprias letras de música sem deixar de acompanhar artistas que falavam em Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, Arthur Rimbaud e outros. Naturalmente, meu interesse musical criou laços afetivos com a literatura. Logo os primeiros poemas vieram. Não é à toa que muitos dos meus poemas têm a estrutura semelhante à de letra de música. Não vamos entrar no mérito do que é letra de música e o que é poesia ou se são a mesma coisa. Teríamos que fazer uma entrevista só para falar disso. Mas posso dizer que, se são diferentes, elas se confundem na minha poética. SELMO VASCONCELLOS - Quantos e quais os seus livros publicados? DIO COSTA - Ter um livro publicado ainda é uma meta. O que tenho publicado, de forma independente, é uma plaquete, da época de faculdade, chamada “Os Sete Espelhos Quebrados” e também um projeto intitulado “1,99 – Poesia até o último centavo”, cuja ideia era juntar dois poemas através de uma moeda de 1 centavo na capa do projeto. E o preço? 1, 99. Com o 1 centavo de troco. SELMO VASCONCELLOS - Qual (is) o (s) impacto (s) que propicia (m) atmosfera (s) capaz (es) de produzir poesia? DIO COSTA - O primeiro impacto é uma avalanche pessoal. O que sobra é o embate artístico-poético com uma participação social que a poesia tem na história. É fazer da poesia um campo atuante na consolidação de um grupo, de um povo, sem perder o conteúdo que a eleva à posição de arte. A poesia advém de uma luta que não se ganha nem se perde. Apenas se luta – e a luta da qual se faz poesia é a vitória do poeta. SELMO VASCONCELLOS - Quais os escritores que você admira? DIO COSTA - Rimbaud, Blake, Drummond, Augusto dos Anjos, Shakespeare, Machado, Antônio Cícero, Clarice Lispector, Thoreau, Coleridge, Roberto Piva, Cacaso, Mallarmé, Paulo Leminski, Chacal, Ana Cristina César, Bocage, Rousseau, Wordsworth, Lord Byron, Shelley, Keats, Goethe, Vitor Hugo, Gregório de Matos, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Castro Alves, Sousândrade, Ginsberg, Aldous Huxley, Burroughs, Flaubert, Dickens, Dostoiévski, Conrad, Mário e Oswald de Andrade, Maiakóvski, Kafka, Virginia Woolf, Torquato Neto, Geraldo Carneiro, Wally Salomão, Murilo Mendes e Rubião, Walt Whitman, Baudelaire, Gullar e Dante Alighieri, entre outros. SELMO VASCONCELLOS - Qual mensagem de incentivo você daria para os novos poetas? DIO COSTA - Deixem ser escolhidos pela poesia – ela se encarrega de todo o resto.

domingo, 23 de outubro de 2011

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Vento

Vem, tô aqui
mas o vento não trará você
a não ser
que
o vento que venta a lenta espera
vente rente à minha janela.

Vem, tô esperando
mas o vento não trará você
a não ser
quando
o vento que sopra, embora no breu,
sopre, nobre, o que é meu.

Vem, tô no momento
mas o vento não trará você
sendo
aquele que esteve calado.

Vem, tô pra ver
mas o vento não trará você
porque
é a mentira que gira num quadrado.

O vento não trará você
mas vem, tá?





Quadro de Van Gogh intitulado "O Vento".

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Muitas cartas em uma

Rio de Janeiro, 29 de junho de 2011


Marcelo, dear


A correspondência que pediu está aqui. Não estranhe. Somos apenas dois (e, ao mesmo tempo, muitos) diante de um espaço/lugar cujos assuntos teóricos abordados envolvem questões literárias, a escrita da intimidade e do sujeito.
Sabe que a carta possui o formato do dia-a-dia e que cada pessoa se coloca de forma diferente no cotidiano. É o que faz o aprendizado nas cartas não ser formal. Porém, elas começam a ganhar importância com os modernistas, ao estabelecerem contatos por esta via, originalizando uma concepção de memória, uma "cumplicidade arquivista [...] maior dos aspectos teóricos e conceituais atinentes [...] à pesquisa da memória cultural e literária, da tradição, do cânone, quer à organização, descrição, referência e preservação dos arquivos" (MARQUES, 2003, p. 141-156). É assim que os bastidores da História são revelados, vindo à tona um lado pouco conhecido daquilo que ficou para a posteridade.
Concordo quando você afirma que a carta de um escritor/poeta, em especial, transforma um problema aparentemente banal em literatura, fazendo dela um espaço discursivo que interessa não só ao remetente e ao destinatário, mas também a todos do meio literário - sempre diz para não confiar em carta de escritor/poeta pelo fato dele usar um espaço supostamente privado para ficcionalizar a intimidade, numa subjetivação do "eu" para cada sujeito remetente, e trazer à tona questões públicas (O que é poesia? O que é literatura?). Confia-se, sim, na figura, no perfil editado por ele. Não é isto?
No exercício da escrita como uma disciplina da escuridão em si, Marcelo, há o processo de autoconhecimento que eleva o escritor/poeta ao lugar de sujeito. Dentro da escrita tradicional, ele pega o que interessa para criar um "eu" para o outro (negociando para cada outro). É neste processo de subjetivação que o sujeito s e conhece: o sujeito se descobre a partir dos fragmentos (os "hupomnêmata" - grande lugar de conhecimento fragmentado, segundo Foucault) do outro, que se descobre a partir dos fragmentos do outro que se descobre a partir dos fragmentos do outro... com o pensamento indo da escrita para o sujeito e não do sujeito para a escrita.
Vi, pelas suas palavras, que a literatura não é só o oficial (o texto publicado). É também o oficioso (o esboço, o manuscrito, etc.). É a trama que importa e não a origem. E a carta, como elemento marginal do discurso, passa a fazer parte dos estudos literários a partir dos anos 60, quando há esta descentralização. O processo de criação e de estilo (considerando a vida do autor, a transformação das suas experiências pessoais em experiências estéticas, a conversão da existência física em poesia, em jogos de construção, mas sem cair no biografismo); a relação de texto (publicado) e protexto (manuscrito) que faz o escritor/poeta trocar esta palavra por aquela; e outros pontos tão relevantes quanto estes citados também passam a ser analisados. Nas cartas trocadas entre escritores/poetas, por exemplo, existe uma via de mão dupla na relação do escritor/poeta considerado mestre com o escritor/poeta que busca uma luz. Quem cresce não é só quem aprende, mas quem ensina também - o que faz com que as posições de correspondente e destinatário se confundam. "O sábio tem igualmente necessidade de manter suas virtudes alerta; assim, estimulando a si mesmo, ele recebe também estímulo de um outro sábio" (FOUCAULT, 1984, p. 155). É o que acontece, Marcelo, quando o poeta Cristóvão Rilke responde à carta do jovem Sr. kappus: Sr. kappus não é o único que aprende com as palavras de Rilke. O próprio também aprende a formalizar, a sistematizar seu pensamento, quando as palavras "têm que significar o que há de mais discreto, de quase indizível" (RILKE, 1984, p. 37). Um "indizível" que ensina a ambos.
Você parece estar próximo quando escrevo esta carta. Uma carta que "é ao mesmo tempo um olhar que se lança sobre o destinatário [...] e uma maneira de se oferecer ao seu olhar através do que é dito sobre si mesmo" (FOUCALT, 1983, p. 156); é um lugar no qual se exercita a solidão de uma escrita que é feita para si mesmo; é ver o outro e ver como o outro nos vê.
A carta dentro do romance também é um espaço particular que pode ter sua confissão subjetivada pelos personagens. Se o gênero romance nasce com Cervantes e seu Dom Quixote, que parodia formas já existentes, Choderlos de Laclos, em As Relações Perigosas, usufrui do romance epistolar (que surge no séc. XVIII dialogando com a pedagogia já estabelecida pelas cartas usadas para educar) para transformá-la em ficcional. O romance de Choderlos, como sabe bem, é híbrido, e seu íntimo, a ideia de confissão, de sinceridade, vira ficção, criando um estilo de escrita, objetivando o que é subjetivo, mostrando como a intimidade pode ser manipulada e se aproximando de uma verossimilhança que atrai a curiosidade do leitor. "'Eu acreditaria', disse ela, depois de ter lido o manuscrito, 'prestar real serviço a minha filha presenteando-a com este livro no dia do seu casamento" (LACLOS, 2008, p. 11). Pode deixar, Marcelo. Não me engano mais. O que parece ser sincero e verdadeiro pode ser "apenas" ficção.
Outro nome de destaque é o nosso dear Silviano Santiago. A saudade de Silviano fica menos intensa ao falar dele. Sua escrita ficcional em primeira pessoa não comunica apenas por comunicar. Necessita de um leitor participativo dentro do contexto do romance moderno. Assim, seu pastiche atinge o público imediatamente - um público feito de semi-afirmações em tempos de reprodução, sem lugar para a origem. "Sou hoje antepassado e prole de mim mesmo. Serei o Adão da bíblia de Marte?" (SANTIAGO, 2005, p. 153). Mande lembranças a Silviano.
Falamos de cartas através de uma. E esta "uma", esta carta que espero que seja lida por ti: a quem ela pertence? A mim, que escrevo estas linhas, que carrego em mim a vontade de enviar-lhe este pedaço de papel? Ou você, o receptor, aquele que despertou este meu desejo de escrever-lhe? E será que as pessoas citadas nesta carta também têm algum direito?
É claro que faço tais indagações já sabendo a sua resposta: Philippe Lejeune. "... a carta é compartilhada. Ela tem vários aspectos: é um objeto (que se troca), um ato (que pode ser publicado)..." (LEJEUNE, 2008, p. 252). Há inúmeros detalhes que escapam da lei, que apenas foca questões mais amplas (fora o fato da correspondência não figurar nos pensamentos mais constantes do legislador). Desta forma, Lejeune resume a carta em três aspectos que você, Marcelo, já conhece, mas que sempre vale a pena repetir: "A partir do momento em que é postada, torna-se fisicamente propriedade do destinatário e quando este morre, de seus herdeiros; mas o exercício de seu direito de propriedade é limitado estritamente pelos dois aspectos seguintes: mesmo postada, a carta continua sendo, intelectual e moralmente, propriedade de seu autor - e, depois de sua morte, de seus herdeiros, que são os únicos que podem autorizar a publicação (conforme a lei de 1957 sobre a propriedade intelectual); mas o exercício desse direito poderá ser limitado, de facto, se o autor não estiver mais com a carta (salvo no caso de uma cópia ter sido conservada) e, de jure, pelo terceiro aspecto: na medida em que uma carta desvela a vida privada, toda pessoa envolvida (o autor, o destinatário ou terceiros) pode se opor à divulgação e à publicação (Código Civil, artigo nove) (LEJEUNE, 2008, p. 253).
Agora preciso anunciar minha despedida. Espero que brevemente possamos conversar mais. Receba esta carta como prova de sua influência. Receba-a, como recebi do destino, com grande felicidade, o presente de trocar palavras contigo, de conhecer-te, e este "conhecer fisicamente [...] foi para um reconhecimento" (ANDRADE, s.d., p. 28). Eu não o conhecia, mas o reconheci.


Um abraço


Dio





BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Mário. Cartas a Manuel Bandeira. Rio de Janeiro. Ediouro, s.d.

FOUCAULT, Michel. A Escrita de Si. In: Ditos e Escritos V - Ética, Sexualidade, Política. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 144-162.

LACLOS, Choderlos de. As Relações Perigosas. São Paulo. Noca Cultural, 2008.

MARQUES, Reinaldo. O Arquivamento do escritor. In: Souza, Eneida Maria de; Miranda, Wander Mello (org) Arquivos Literários. São Paulo. Ateliê Editorial, 2003, p. 141-156.

PHILIPPE, Lejeune. O Pacto Autobiográfico. Belo Horizonte. EduFMG, 2008.

RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta / A canção de amor e morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke. Porto Alegre / Rio de Janeiro. Globo, 1984.

SANTIAGO, Silviano. Histórias Mal Contadas. Rio de Janeiro. Rocco, 2005.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A potencialidade da palavra "solidário" na poesia de Mário de Andrade pela ótica de João Luiz Lafetá

Peço licença aos românticos. É com o devido respeito que desço a escada do tempo, cheio de degraus tortuosos, e volto ao caldeirão do século XIX. Depois de autorizado, ob a revolução de uma aurora burguesa, coloco as mãos no "eu" tatuado na alma a ferro e fogo, descolado do rei, de Deus, independente e sozinho, para trazê-lo a uma atualidade na qual o "eu" é estimulado pelos meios de comunicação de massa e, daqui, deste ambiente enevoado da mais fútil exposição, apontar o binóculo na direção de uma perspectiva modernista.
Esta perspectiva modernista tem nome e sobrenome: Mário de Andrade. E, da mesma forma, o binóculo com o qual olho para este centro difusor de ideias anti-mofo-francês-parnasiano chama-se João Luiz Lafetá. É através da lente de Lafetá que busco atingir a potencialidade da palavra "solidário" na poesia de Mário: "O fato é que, se a poesia de Mário de Andrade constitui uma exploração do seu 'eu' [...], o movimento é simultâneo e solidário" (LAFETÁ, 1986, p. 8).
Lafetá começa apontando para a insuficiência nos estudos da obra de Mário de Andrade por sua complexa diversidade. E, no campo da poesia, as imperfeições são ainda mais sérias com os "eus" da poética em questão. Lafetá expõe as falas de críticos do porte de Luís Costa Lima, Álvaro Lins, Antônio Cândido e Anatol Rosenfeld para chegar a um pensamento próprio sobre a poesia de Mário de Andrade.
Primeiramente, ao avaliar as leituras de Luis Costa Lima e Álvaro Lins, Lafetá nos mostra, nas palavrasdo segundo, "o sentimento da terra e o sentimento íntimo do homem" (LAFETÁ, 1986, p. 4) como as duas forças dominantes na poética de Mário: "Da primeira, nascem os poemas intencionais, estética ou socialmente combativos, que fazem dele a personalidade importante em nossa história literária; da segunda, nascem o poemas líricos, que parecem ao crítico (Álvaro Lins) mais firmemente realizados e são os que lhes agradam por excelência" (LAFETÁ, 1986, p. 4).
Lafetá concorda com a preferência de Álvaro Lins pelos poemas líricos de Mário de Andrade, "nos quais o 'eu' se expande e sujeita o tumulto verbal a uma disciplina interiormente conseguida" (LAFETÁ, 1986, p. 6). Enquanto Luis Costa Lima, ao seguir um rigor ao estilo da antilira de João Cabral de Mello Neto, recusa o "ruim" na obra de Mário (que estaria "nas variações de registro de sua poesia" [LAFETÁ, 1986, p. 3]), Álvaro Lins atribui esta característica a um propósito. Qual seria este propósito?
Antes de aprofundar a discussão, Lafetá, ao analizar os dizeres de Antônio Cândido, percebe que Cândido e Lins concordam em pontos importantes. Cândido esquematiza "os vários aspectos, várias maneiras e vários temas" (CÂNDIDO, 1942, p. 72-78 apud LAFETÁ, 1986, p. 7) da poética de Mário. "Quanto aos vários aspectos, Antônio Cândido assinala os seguintes: o poeta folclórico, no Clã do Jabuti; o poeta do cotidiano, na Paulicéia Desvairada, no Losango Cáqui e em parte do Remate de Males; o poeta de si mesmo, ao lado do qual, e sempre agarrado a ele, está o poeta eu-mais-o-mundo, em Remate de Males, n' A Costela de Grão Cão e no Livro Azul; e, por fim, o criador da Poética. Entre as maneiras, o crítico nota sobretudo três: a maneira de guerra de período inicial do Modernismo; a fase de encantamento rítmico, cheia de virtuosismos saborosos; e a maneira despojada que baixa o tom, esquece o brilho e busca o essencial. Quanto aos temas, a sua variedade escaparia a qualquer enquadramento, ele limita-se a chamar atenção para três ou quatro: o tema Brasil, o tema do conhecimento amoroso (e do amor falhado), o tema do autoconhecimento e da conduta em face do mundo" (LAFETÁ, 1986, p. 7).
Um dos objetivos dessa esquematização de Antônio Cândido, segundo Lafetá, é o de "indicar a riqueza da pesquisa poética de Mário" (LAFETÁ, 1986, p. 7) - o que Lins fizera ao abordar sua pluralidade pelas vias do "sentimento da terra" e do "sentimento íntimo do homem". Porém, Cândido "observa que ao lado do poeta de si mesmo, 'e sempre agarrado a ele, está o poeta eu-mais-o-mundo'" (CANDIDO, 1942, p. 74 apud LAFETÁ, 1986, p. 7). E, assim, vamos além da diversidade da poesia de Mário, que Álvaro Lins indica tão bem, e chegamos a sua unidade. Tanto Cláudio quanto Lins entendem que sua "subjetividade acaba por revelar o mundo de forma mais clara" (LAFETÁ, 1986, p. 8).
A análise feita or Lafetá é justamente o epicentro deste trabalho. A poesia de Mário é um profundo mergulho no "eu" em busca de si que, ao mesmo tempo, sintetiza uma ampla pesquisa das inúmeras faces de uma cultura nacional. Eis o propósito levantado por Álvaro Lin: a pluralidade de temas e técnicas nos registros da poesia subjetiva de Mário está ligada ao encontro que o poeta busca ter consigo e com o Brasil. O "solidário" na poesia de Mário de Andrade está na entrega de uma poética da autodescoberta a favor da construção de uma imagem verdadeiramente brasileira.
No desenrolar da questão, Lafetá não se coloca como aquele que irá "pegar o boi à unha", como ele diz. Prefere "cavar um pouco mais o problema" (LAFETÁ, 1986, p. 9). A pá usada para ir mais fundo atende pelo nome de Anatol Rosenfeld. Através dele, vemos o Mário cabotino - cuja falta da pura autenticidade está atribuída a criação de uma pose, de um disfarce, de uma máscara que se desassocia do "eu" romântico-biográfico por ser milimetricamente construído. É um coração que, como víscera, é "menos sentimento, mais pensamento transtornado, tumultuoso, mais pulsão que sensação" (CHIARA, 2009, p. 41); um autorretrato trabalhado e pensado que procura sua própria sinceridade e, como consequência, a perde, pois "torná-la [...] em princípio importante de um movimento já é sintoma de sua perda" (ROSENFELD, 1969, p. 185).
O caso Mário de Andrade é um exemplo de sacrifício da vida por uma causa que norteou o movimento modernista e abrasileirou a força de um mundo cujo conceito de modernismo era o de ruptura total da vanguarda. Já no Brasil, o diálogo antropofágico com a tradição resultou, com a sua ajuda, no fortalecimento da nacionalização - intenção que se tornou o grande amor de Mário. Exemplos desse amor não faltam: é o homem primitivo e o homem da cidade, juntos, em "O Trovador" ("Sou um tupi tangendo um alaúde!"), a força da língua brasileira em "O Poeta Come Amendoin" ("De palavras incertas num remeleixo melado melancólico"), o reconhecimento no outro pela diferença em "Descobrimento" ("Esse homem é brasileiro que nem eu") e a multiplicidade do "eu" em "Remate de Males" ("Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta"), entre outros.
Sua vocação, sua autoconsciência sobre seu "eu", está confundida com uma consciência social, com uma brasilidade que pode ser identificada em palavras que espelham o Brasil, o cidadão brasileiro. Em "Meditação sobre o Tietê", Mário se mistura a dor do outro que ele fala através da sua confissão e transcende ao fazer do amor uma ponte que o leve ao seu próximo ("Desque me fiz poeta e fui trezentos, eu amei [...] / Quem move meu braço? / Quem beija por minha boca? / Quem sofre e se gasta pelo meu renascido coração? / Quem? Sinão o incêndio nascituro do amor?...").
Após perceber, pelos estudos de João Luiz Lafetá, como e por que se dá a figuração do "eu" na poética de Mário de Andrade, temos a noção da força do termo "solidário" em sua obra poética. Entretanto, o próprio Lafetá limita-se a "apenas" prolongar os estudos sobre Mário (em especial, da sua poesia). E como este trabalho esta calcado em sua análise, no que a sua visão pode proporcionar, a potencialidade anteriormente prometida acaba dando lugar a uma tentativa de chegar o mais perto possível dela, reforçando a polivalência desse poeta arlequinal em prol de um bem maior.




BIBLIOGRAFIA

CHIARA, Ana. Carta aos Analistas: Confissão da Intimidade Impossível. In: Chiara, Ana; Rocha, Fátima Cristina Dias (Org.) Literatura Brasileira em Foco: Escritas da Intimidade. Rio de Janeiro: Casa Doze, 2009, p. 39-50.

LAFETÁ, João Luiz. Figuração da Intimidade. Imagens na Poesia de Mário de Andrade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

ROSENFELD, Anatol. Mário e o Cabotinismo. In:_________. Texto/Contexto. São Paulo: Perspectiva, 1969.

domingo, 17 de julho de 2011

Acidente

Bati
no quê?
não sei
ao invés
de morrer
gozei.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Fogo e Metal

Em mais um querer do seu quer-não-quer
eu tenho a mulher e tudo o que ela é
a inquietação que pica como uma abelha...
o mel que sai do piercing da orelha...
O mel é meu, doce e dopante
coberto por um cabelo flamejante
labaredas explodem na extensão de cada fio
e dançamos ao redor da fogueira do arrepio.

O fogo esquenta o metal
é o inferno com uma pitada de sal
e quem aguenta
trocar o sal pela pimenta?

O metal também reflete o fogo
estou afogado neste desafogo
ninguém viu no meu horóscopo
o encontro entre a pólvora e o fósforo.

sábado, 2 de julho de 2011

Espelho*

Um dia
me peguei com os olhos fixos no espelho
quem diria?
foi a imagem do meu velho que me veio
de quem mais seria?
quando ele se foi, fiquei partido ao meio
uma ducha fria
uma facada profunda no peito.

- Meu moleque
de dentro do espelho ele me falou
- A barra não é leve
eu também já senti falta do seu avô
mas supere
minha vida sem ele continuou
Deus te cerque
no caminho que seu velho começou.

Tá na voz pra cantar
tá na inspiração
tá na mesa do bar
tá na palma da mão
na linhagem do samba
hereditária é a canção
é o tato, é o trato, é o toque, é a tradição.

- Onde estava você
quando corri pra comemorar aquele gol?
Queria te dizer
dos corações que seu filho conquistou
Na hora de crescer
aprendi a não dar mole, não senhor
Até porque
o sangue dos Nogueira mais alto sempre falou.

Um dia
me peguei com os olhos fixos no espelho
quem diria
foi a imagem do meu velho que me veio
mas que alegria!
Alguém lá em cima atendeu meu anseio
e a poesia
pareceu tomar conta do mundo inteiro.

Tá na voz pra cantar
tá na inspiração
tá na mesa do bar
tá na palma da mão
na linhagem do samba
hereditária é a canção
é o tato, é o trato, é o toque, é a tradição (velho João).



*Esta letra nunca chegou ao conhecimento de Diogo Nogueira...

domingo, 12 de junho de 2011

Amor é fogo

Ainda que eu chupasse sua língua uns 10 anos
que eu chupasse sua língua aos montes
êh, calor!
Mais longe eu iria.

Amor é fogo...
que dá e faz querer fuder.
É ferida...
que não impede a mão saliente.
É um contentamento...
de quem gozou e ri cheio de dentes.
É dor...
que vira gemidos de prazer.

É um não-querer...
de quem "não quer" mas vai ceder.
É solitário...
bater uma secretamente.
É nunca contentar-se...
e ser insistente.
É cuidar...
pra ter sempre quem comer.

Ainda que eu chupasse sua língua uns 10 anos
e chupasse sua língua aos montes
êh, calor!
Mais longe eu iria.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Poema para não ser lido em público (e só para si)

Eu gostaria de dizer algumas palavras
mas as palavras que eu gostaria de dizer
são palavras que não gostam de ser ditas
são palavras arredias
palavras corporativas
pregam peça na exposição do que não é palavra
do que não é puramente palavra e só palavra.

As palavras não tem corpo, rosto, voz, ouvidos
as palavras não tem sangue, veias, entranhas, nervos
as palavras tem a si
o olhar de fora não vai dentro da palavra
as palavras tem fim sem fundo.

Eu gostaria de dizer algumas
mas as que eu gostaria de dizer
não gostam de passar batidas
nem são suicidas
preferem secar aos poucos
diminuir sem pressa
cair brigando com a gravidade
até dormir sem dar até.

Eu gostaria de dizê-las
mas as que eu gostaria
não gostam
elas preferem dizer...

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Psiuuuuuuuulêncio!

ouve
ou vê
dorme
dor
me
my
mine
not fine
eu digo
mandigo

psiuuuuuuuulêncio!

silênco mine
my
me
dor
dorme

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Bom dia!

Quando descanso
o teco-teco do meu ventilador
é que percebo a insuportabilidade dos ares condicionados ao trabalho.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Décimo Primeiro Andar

Vi meu nome na súmula
escalado para entrar em campo
sob os olhos ociosos e experientes dos espectadores
o pé direito
o sinal da cruz...

Em cima da hora
do muro
da pilastra
desfalco o time dos suicidas
e o décimo primeiro andar fica no zero.

sexta-feira, 11 de março de 2011

O Marinheiro

O marinheiro não olha pra trás
não vê o menino ficar distante
veste a cor do seu sonho
abre a porta do mundo com a chave do entusiasmo.

A carona passa e ele escolhe o lado de dentro.

Vai tropeçando nas ondas da vida
no vai-e-vem de idas e vindas
até cair num porto de pele morena
e encontrar espaços nos braços do cais
a bússula do lado esquerdo do peito acena
na direção de uma paixão capaz
de deixar-lhe preso na corrente marítima
fora do mapa, fora do mar aberto
baixando a âncora revestida de vítima
em terra firme, o que define a frieza de ver sempre o mesmo teto.

O marinheiro agora relembra o teto estrelado
a corrida a favor da brisa
os pecados nas entrelinhas dos pontos cardeais
o rasgo nas águas que espelham o infinito.

O adeus é salgado
vai embora pelo caminho da lágrima
aporta em outros corações
e já não está mais lá quando os olhos ao lado acordam.

Retorna ao colo dos lençóis que amanhecem com o desenho do seu corpo
ao seio das madrugadas sempre pra fora do sutiã do tempo
ao balanço das deusas, ninando-o entre sereias de água doce e triângulos sem bermudas.

Lugares onde o sonhador
o aventureiro
o incansável marinheiro
sente-se um gigante
um menino
brincando de ser gente grande.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O Barraco da Nêga

Prometi pá nêga
um barraco na Cidade Nova
ela disse: "si fô na Cidade Nova
o barraco tem qui sê novo tamém."
Ah, nêga, assim não tem...
Ah, nêga, assim não tem...

Falei da baixada
falei das redondeza
mas a nêga qué subí na vida
em vez de baixada ela qué sê alteza.
Vindo da nêga não é surpresa...
Vindo da nêga não é surpresa...

Que tal Paraty
uma ilha só pá gente?
Ela diz: "si fô só pá gente
tem qui si chamá 'Paranós'."
Nêga, nêga, ainda sumo dos seus lençóis...
Nêga, nêga, ainda sumo dos seus lençóis...

Se eu falo Búzios
ela prefere tarô
se eu falo Barra
depende se a barra tá limpa
se eu falo Piedade
ela pergunta o que eu fiz de errado
se eu falo Saúde
ela diz: "não, já tenho, brigado."

Falei de outros lugá
falei do Alto da Boa Vista
mas a nêga qué muito mais
qué tê o barraco na capa da revista.
Ah, nêga, desse jeito não tem quem resista...
Ah, nêga, desse jeito não tem quem resista...

Falei do Encantado
mas a nêga cortou logo a onda
ela qué tê um barraco de verdade
e não um de faz de conta.
Ah, nêga, tu só me desaponta...
Ah, nêga, tu só me desaponta...

Se eu falo Glória
ela pergunta: "quem é essa daí?"
Se eu falo Maria da Graça
tenho que mentir e dizer que é uma prima
se eu falo Bangu, Grajaú, Nova Iguaçu
ela vem de sururu
e me xinga fazendo rima.

Ah, nêga, não me desanima...
Ah, nêga, porque se eu desanimá...
Ah, nêga, tu volta pá esquina...
Ah, nêga, e o barraco eu deixo pá lá...

domingo, 16 de janeiro de 2011

Pessoas práticas não gostam de poesia
A poesia não possui inimizades
Pessoas práticas são pelo o que é e não pelo o que seria
A poesia não restringe suas possibilidades.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Letras Tortas IX (Endy in Rio)

A nona edição do Letras Tortas foi especial. E foram vários os motivos. Também chamado de Endy in Rio, devido a presença de nossa ilustre amiga em terras tupiniquins, o evento foi realizado na casa da transcendental Márcia "Marcinha" Lucius, cujas portas abertas receberam pessoas que há tempos não davam o ar da graça.

A mesa de bar deu lugar a um churrasco que teve de tudo um pouco. Desde Lâmina Blue (tocando ao vivo, mesmo com a presença de apenas 50% da banda - nota de registro: 25% da banda, ou seja, o baixista Alexandre Magoo, ficou responsável pelo churrasco após a despedida precoce do nosso amigo Daniel) até um ambiente de rave com Tiago, irmão da Marcinha.

Quem conhece o Letras Tortas, sabe que pérolas nunca faltaram. Elas estão sempre nos acompanhando em cada edição. Desta vez, não foi diferente. Porém, neste Letras Tortas, nada foi anotado. As coisas aconteceram e os alguns "pensamentos de efeito" foram ficando, ficando, ficando. Outros, infelizmente, caíram no limbo do esquecimento.

Mas você! É, você mesmo! Você que esteve lá. Você que participou. Você que é testemunha viva e ocular desta edição do Letras Tortas. Se você lembra de algo que foi dito e que não está aqui, devidamente registrado, manifeste-se! Deixe seu comentário! O Letras Tortas IX - Endy in Rio - agradece...


Ah, as fotos...



Luciana, Daniel, Márcia e Endy.





Momento piscina 1





Momento piscina 2 - Endy





Momento piscina 3





Galera





Momento refrescante





Madame




Momentos para não serem esquecidos:



CHURRASQUEIRO: AQUELE QUE NÃO NEGA FOGO.



JAMES JOPLIN, IRMÃO DO NIRVANA.



MAGICAL, LOGICAL, STUPIDAL.



ELES SÃO COMPOSITORES?



É MÚSICA PRA NOVELA DAS SETE.



MALHAÇÃO É SACANAGEM!



NO QUE A VIDA É, A BANANADA HÁ.



SOU CAOZEIRA...



SUA LINGUIÇA TÁ UMA DELÍCIA... QUENTINHA...



MAGOO, FICA QUIETO, SENÃO VOU LIGAR PRA GABRIELA.



A PIROCA ESTÁ PARA A BUCETA ASSIM COMO A BUCETA ESTÁ PARA A PIROCA.







Rave pra dois...





Rave pra três...





Rave pra quatro...





Cansaram?





Oh! Quem será?





Peo visto, o Letras Tortas IX - Endy in Rio - foi um sucesso!

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Poema-desertor (vídeo)




No youtube: http://www.youtube.com/watch?v=1eyW6r0Ac0A